Jejum intermitente… de imagens.

O Universo começa pelo som.


 

Dentro da barriga, a semente deleita-se com as vibrações poéticas da voz materna.
Muito antes de vir à luz, o bébé já construiu um enorme campo de maravilhas sonoras, onde irá beber litros e litros de energia vital para o seu desenvolvimento.

 

A criança, mesmo depois de aprender a ler, ainda pede aos pais que leiam e releiam mil vezes a mesma história.

 

Histórias que lembram como os antigos davam sentido ao mundo: através das florestas da voz, de férteis narrativas, mitológicas e quotidianas, transmitidas corpo a corpo.

 

Perpetuavam rituais físicos e metafísicos, onde a palavra nunca largava o seu corpo, a sua terra, o seu habitat natural. O advento da escrita deu asas às palavras e cortou-lhes o cordão umbilical.

 

Para o melhor e para o pior, as palavras emanciparam-se do corpo, emanciparam-se da voz. E a leitura emigrou para o silêncio da cabeça, por vezes esquecida do prazer antigo da partilha.

 

Ao mesmo tempo, as imagens cresceram como coelhos sem predadores e tornaram-se elas próprias predadoras do nosso tempo. Somos bombardeados a toda a hora por estímulos visuais, externos, e o nosso íntimo quase não tem espaço para se alimentar da sua própria fonte de ligação ao mistério da vida, a partir de dentro.

 

Nesta viagem terrena, para criar o bosque mágico do sentido, é necessário visitar aquele lugar de solitário silêncio onde vamos criando um imaginário irrepetível, elaborado nos íntimos recantos de um coração ainda puro, ainda único.    

 

Os antigos faziam rituais de jejum para limparem o organismo e assim calarem o festival de emoções que nos desfoca o olhar.

 

E nós podemos encontrar rituais para, de vez em quando, nos encontrarmos a sós connosco mesmos, livres de imagens estrangeiras.

 

Para melhor respeitar o paladar, e não misturar umas realidades nas outras, os provadores de alta cozinha introduzem sorvete de limão entre uma iguaria e outra.

 

E, para limpar as papilas, os escanções nunca derramam vinho num copo com vestígios do vinho anterior.

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