Olhamos para o mundo e não gostamos. Olhamos para a humanidade e pensamos no que nos está a acontecer. Há muitas maneiras de olhar e muitas maneiras de não ver. Foi muito tempo a usar olhos desligados do coração e da justiça. Olhos que só vêem por fora. Uns dizem que por maldade, outros por distracção, ou por ingenuidade, na verdade, que interessa isso, agora que aqui chegámos? Agora que inventámos combustíveis que envenenam os ares e os mares, plásticos que asfixiam a natureza, químicos que envenenam as hortas de onde nos alimentamos, antenas e radiações que interferem com os nossos órgãos, agora que destruímos milhares de espécies animais e todos os anos mais uns quantos milhões de humanos são entregues à pobreza extrema pelas leis da nossa querida economia, agora que aqui chegámos, continuamos a não querer olhar para a destruição que o mundo a que chamamos “normal” provoca. E agora que a pandemia nos tirou do trilho, tudo o que queremos é voltar a esse normal.
Ainda tenho fé na humanidade mas o meu estômago leva um sôco todos os dias. Estávamos a aumentar o grau de atenção aos plásticos mas eis que de repente voltaram os descartáveis. Em massa, pior do que antes. Porque os olhos continuam curtos. As pessoas apontam, acusam, voltam-se para as máscaras e os olhos só vêem por fora. Onde está o princípezinho interior de cada um, para nos segredar que o “essencial é invisível aos olhos?”
Batemos recordes de acusações e ofensas nas redes sociais, nos passeios públicos. As pessoas não se ouvem, só querem saber se aquele é do mesmo clube pandémico, se tem os mesmos olhos ou se tem os olhos dos inimigos, dos ignorantes, dos outros, sempre os outros, o tal inferno de que Sartre falou e que é afinal o único paraíso possível. O medo esconde a beleza de estar vivo e de ter irmãos e irmãs em cada ser que connosco partilha o planeta.
Concordamos com uns, discordamos de outros, mas de que serve tudo isso se não nos amamos, se não nos respeitamos, se não nos ouvimos? Vale a pena viver assim, numa constante batalha por ter razão? Será que não vemos – porque não olhamos- que o modo como vivemos está invertido? Que o modo como cuidamos de nós e do nosso mundo destrói-nos por fora porque já nos destruíu por dentro? Que há pessoas empenhadas na nossa recuperação mas quase não têm visibilidade, nem voz e tantas vezes são empurradas para fora de bordo?
Se é tudo vibração, átomos, partículas, ondas, porque não nos sintonizamos numa frequência mais elevada? Está tudo a acontecer ao mesmo tempo e, dizem os cientistas, as realidades paralelas também. Mas, tal como em frente a um aparelho de rádio, é preciso escolher, sintonizar a realidade em que queremos viver, é preciso assumir, é preciso rodar o botão, é preciso manifestar a intenção de nos alinharmos noutra estação de vida. E depois, nas grandes mas sobretudo nas pequenas coisas, agir em conformidade.
E só começando com humildade a olhar para dentro podemos um dia aspirar a ver um lá fora menos distorcido. A liberdade é a outra face da responsablidade.
One Comment
Celina Domingues
É isto mesmo, o que nos está a acontecer.
Ainda bem que há quem nos leve a refletir e a ver a realidade com olhos mais atentos e mais perscrutadores.
Bem haja, Paulo Condessa, por nos desinquietar com as suas reflexões “incómodas”…